Excerto do Livro
(...)A
rapariga era muito competente, educada, nem parecia uma plebeia, mas estava a
dar-lhe cabo do juízo. Não podia envolver-se com uma serviçal, ainda que fosse
culta e mestre na arte de ensinar a ler e a escrever. Não era do seu feitio. Lá
em cima, no primeiro andar, uma luz acendeu-se e as portadas do quarto
abriram-se. Escondeu-se na sombra debaixo da árvore e preparou-se para assistir
ao que ele considerava o seu momento de deleite nocturno. Primeiro o vestido;
depois o espartilho; depois o corpete e os calções e finalmente as meias. Era
este ritual que ele descobrira há vários dias, quando passeava pelo jardim
pensando no que fazer da vida. Já devia estar no Brasil, mas queria deixar
Teresa bem entregue e por outro lado já não lhe apetecia partir com tanta
urgência. O Brasil podia esperar, o pai tomava conta de tudo sozinho e Leonor
tornou-se uma fazendeira bem-sucedida e respeitada depois da morte do marido
negreiro[1].
Lá
estava ela.
Apagou
a luz do candeeiro e o luar – claro como se fosse dia- incidiu na pele alva e
nos cabelos negros qual mar de prata.
Nua à
janela e com os braços no ar parecia uma adoradora da lua. Que visão dos céus.
Mais uma noite em que teria que recorrer das suas próprias ferramentas para se
aliviar. Aquela rapariga transformava-se numa feiticeira quando havia luar e
deixava-o rendido ao seu feitiço.(...)
[1] Traficante
de negros. Navio que faz tráfico de escravos. Dentre todos os bens negociados
com os povos africanos, o comércio de escravos foi o que mais rendeu lucros
para Portugal, pois além do óptimo negócio que representava, também foi
fundamental para a ocupação e exploração do Brasil.
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